terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Arquitetura de palavras


“Uma relação entre duas pessoas que se amam tem de se basear na capacidade de erigir um edifício. Pedra a pedra. Tijolo a tijolo.
Poucas obras de engenharia são mais complexas do que uma relação entre duas pessoas que se amam.
Nenhuma obra de engenharia é mais complexa do que uma relação entre duas pessoas que se amam.
Nada é mais exigente fisicamente do que uma relação entre duas pessoas que se amam.
Tem de haver uma entrega absoluta. Até à última gota. Para que cada pedra esteja no local certo. E por vezes há que caminhar quilómetros com essa pedra às costas para a colocar no local certo. Nem mais um centímetro à frente nem mais um centímetro atrás.
Cada pedra que constróis também pode ser cada pedra que destrói, que faz derribar todo o edifício.
Todas as relações são feitas de pedra. Mas está na nossa mão. Está na mão dos dois constituintes de uma relação entre duas pessoas que se amam definir se a pedra serve para separar se a pedra serve para unir.
Todas as relações são feitas de pedra.
E é assim que construo. É assim que pela primeira vez construo. Estou a construir. Digo-te cada verdade e sei que estou a colocar as pedras que nos separavam nos locais certos. Para que o edifício cresça quando já estava quase a cair. Para que possas depois perceber se queres construir comigo ou se queres que tudo isto que somos caia de vez.
Olho-te nos olhos e sei que choras. Sei que choras a cada verdade que te entrego, a cada pedra que te coloco nas mãos.
Não sei se terás força para as suster, se terás força para as aguentar, para as suportar dentro de ti. Não sei se algum de nós conseguirá levar mais longe este edifício.
Mas sei que me sinto enfim a ser eu em ti como tu sempre foste em mim.
Todas as relações são feitas de pedra.
Há que construir.
Há sempre que construir.”

"In Sexus Veritas", de Pedro Chagas Freitas
 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Arquitectura | Escrita

A outra Casa

"A outra casa. Na outra casa, a que não moras, está a soma da tua ausência e dos que lá habitam. Em ti há substração fletida ao que receias perder. Perdes-te. Perdes-te sempre não na procura dos outros, mas na ausência de ti que colocas no ato da procura alheia. Já te perdeste na tua casa? Achas-te apto a olhar o mundo da outra casa sem saíres de ti mesmo, sem te subtraíres? Mora no sítio que é teu, retira disso vontade de te viciares na tua casa. Enaltece-a, conquista-a, habita-a. Não faças dela a ambição da melhor, vota-a apenas a esse desejo. Conquista-te nela. Não é que queiras deixar de morar noutra casa, vais é esquecer-te que elas existem. A tua casa não é só tua, és tu e a capacidade de multiplicação própria."

Tiago Ribeiro 
Casa Pacheco de Melo, de autoria do Arqt. Pedro Maurício Borges, em São Vicente Ferreira, São Miguel | Prémio Sécil em 2002

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

EXPOSIÇÃO «ARQUITECTURA DO RAMO GRANDE»

 
"O Instituto Açoriano de Cultura no âmbito das IV Jornadas de Reflexão de Animação Turística, subordinadas ao tema “Turismo e Animação Cultural”, que decorrerá na sequência de uma parceria com a Associação Regional do Turismo, apresenta a partir do dia 16 de novembro, próxima sexta-feira, no bar do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo uma exposição de painéis sobre a Arquitectura do Ramo Grande.
 
 A referida exposição, que recorda a região da ilha Terceira denominada por Ramo Grande – tradicionalmente conhecida pela riqueza da sua produção agropecuária, pela raça dos bovinos que forneceram a força do trabalho necessária aos trabalhos agrícolas e pelo brilho das festividades em honra do Espírito Santo – salienta a singularidade da sua arquitectura, expressa nas casas rurais. Que vem sendo constantemente referida, desde que Vitorino Nemésio chamou a atenção, no Corsário das Ilhas, para este “habitat rural tão nobremente urbano”.
 
Esta exposição, composta por 12 painéis, integra o programa das IV Jornadas de Reflexão de Animação Turística, a realizar de 16 a 18 de novembro no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo."

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Faleceu Francisco Ernesto Oliveira Martins...

Acabei de vir do velório de Francisco Ernesto Oliveira Martins... não fiquei muito tempo... preferi vir escrever estas linhas de homenagem a um Homem que viveu na verdadeira concepção da palavra. Não fiquei muito tempo... porque quando penso no Sr. Francisco Ernesto penso em alegria, simplicidade e plenitude de viver.... e quero recordá-lo assim... bem disposto, sempre pronto a ajudar, ávido de aprender e de questionar as coisas, fugindo às teorias preconcebidas.
A idade começou a pesar, a memória a atraiçoar, mas o brilho nos olhos de quem se recusa a crescer e a ser "velho" ficou... não fiquei muito tempo... mas o tempo suficiente para sentir que o Sr. Francisco Ernesto viveu tudo o que tinha para viver e que nos deixou em Paz. Deixemo-lo ir... não fiquei muito tempo... porque há um mundo lá fora, o sol espreita, e estou certa que ele quereria que eu o fosse absorver e disfrutar, deixando essa tristeza que me assolou... Adeus.

terça-feira, 3 de abril de 2012

SIZA EM ANGRA (Artigo Jornal União 2 Abril 2012)

















Imagem in A Reconstrução do Chiado. Lisboa. Álvaro Siza, Ed. Livraria Figueirinhas, 2.ª ed. 2000, p. 117.

Angra recebeu o Arqt. Siza Vieira no passado dia 28 no âmbito das comemorações do Dia Nacional dos Centros Históricos. O mais conhecido Arquiteto português explanou acerca do tema “A Arquitectura e a Cidade”.
A Arquitectura nunca deverá ser pensada/criada como um objeto singular, como num ato egoísta de quem a concebe ou é seu proprietário.
Esta afirmação tem um sentido mais forte em centros históricos e urbanos, em que na mesma malha coesa e densa se articulam tecidos de várias épocas, marcando várias gerações… ou assim deveria ser.
A visão dos nossos grandes nomes de Arquitectura Portuguesa poderá ajudar numa análise mais clara e desintoxicada do tema, sendo necessário um certo afastamento dos objetos para uma mais acertada reflexão. Poderemos estar demasiado embrenhados em Angra para a poder Ver como ela é e merece.
Neste sentido foi gratificante ouvir Siza, ele que interveio no Chiado, na reabilitação de espaços públicos do Porto e no Centro Galego de Arte Contemporânea de Salamanca por exemplo.
Acerca do Chiado Siza escreveu “Não existe um monumento importante na cidade sem a continuidade anónima de múltiplas construções (…). E contudo, na evolução da cidade, a perda deste sentido do papel de cada construção está aos olhos de todos. A generalizada ambição de protagonismo torna por isso impossível qualquer forma de protagonismo.”(1)
(1)  SIZA, Álvaro- Imaginar a Evidência, Edições 70, 1998, p.97.

quinta-feira, 29 de março de 2012

"Estalagem da cimeira Nixon-Pompidou em ruínas"










"Durante dois dias do mês de dezembro de 1971 uma estalagem localizada na mata da Serreta, em Angra do Heroísmo, nos Açores, transformou-se no centro do mundo.
Um número nunca antes visto de jornalistas estrangeiros acorreu àquele edifício com vistas únicas sobre o oceano para fazer a cobertura de um dos mais importantes acontecimentos políticos da época: a cimeira entre Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos da América, e Georges Pompidou, presidente francês.
O anfitrião foi Marcelo Caetano, que dormia na então luxuosa Estalagem da Serreta, onde decorriam as conversações. Quarenta anos depois, o edifício, uma das jóias da arquitetura modernista portuguesa, concebido pelo arquiteto João Correia Rebelo, está abandonado e em ruína. 

Toxicodependentes na Serreta 

O abandono começou no início dos anos de 1980, quando a estalagem encerrou a sua atividade de hotelaria no âmbito da empresa TurHotel. A partir daí nunca mais lhe foi atribuída uma utilização condizente com as características do edifício e, pelo contrário, acabou cedida nos anos de 1990 à associação de reabilitação de jovens toxicodependentes "Le Patriarche".
O declínio progrediu em rota acelerada e nunca mais terminou, mesmo se a Assembleia Legislativa regional dos Açores classificou a estalagem como imóvel de "interesse público" a 1 de março de 2007.
Comenta-se depois a existência um plano de recuperação, a cargo do grupo açoriano Paim, que, nas diferentes ocasiões em que foi contactado, entendeu não dar qualquer esclarecimento ao Expresso sobre eventuais projetos para a Serreta. Na página oficial do grupo disponível na internet diz-se, no entanto, que a estalagem será reconvertida "num luxuoso Resort e Spa".

Obra-prima do modernismo


Situada na ilha Terceira e com projeto geral concebido entre 1961 e 1963 e projeto de mobiliário elaborado entre 1967 e 1969, a estalagem é vista como a obra-prima do moderno açoriano.
João Vieira Caldas, arquiteto e comissário da exposição dedicada ao trabalho do arquiteto João Correia Rebelo apresentada em 2002 nos Açores, referiu, em declarações ao Expresso, que a estalagem "é o último grande trabalho de João Correia Rebelo em Portugal e representa uma viragem na sua obra que é representativa da viragem que a arquitetura portuguesa estava a ter naquele momento".
Nascido em Ponta Delgada em 1923 e licenciado pela Escola de Belas Artes de Lisboa, João Rebelo era filho do pintor Domingos Rebelo. Começou por trabalhar na sua cidade natal, mas a defesa de princípios muito firmes levou-o a considerar que não estavam reunidas as condições para continuar a exercer a profissão de arquiteto na ilha. Regressou ao continente e em 1969 emigrou para o Canadá, onde veio a falecer.

Correia Rebelo militante do Movimento Moderno


No catálogo da exposição de 2002, elaborado pelo Instituto Açoriano de Cultura, refere-se que João Correia Rebelo, "como muitos arquitetos da sua geração, acreditava que a arquitetura e o urbanismo propostos pelo Movimento Moderno haveriam de mudar o mundo para melhor". Nesse sentido, não concebia uma arquitetura que não recorresse às possibilidades técnicas e materiais do seu tempo, "que não fosse a expressão inequívoca desses recursos, das funções a que se destinava, de um desígnio social".
Homem de convicções profundas, Rebelo distinguiu-se "pelo modo particularmente aguerrido e intransigente com que defendeu aqueles ideais e por ter tentado fazê-lo não só através dos seus projetos, mas também, caso único no Portugal dos anos 50, pela publicação de verdadeiros manifestos".
Particularmente relevantes são os manifestos "Não!", escrito em 1953, e "Senhor Ministro", de 1956, nos quais expressa com grande veemência a sua discordância quanto a algumas opções que estavam a ser tomadas no plano urbanístico, nomeadamente pela Câmara Municipal de Ponta Delgada.

Edifício está em risco

João Vieira Caldas sublinha que este homem, amigo de Nuno Teotónio Pereira, muito católico e membro do Movimento de Refundação da Arte Religiosa, "era uma mentalidade representativa de uma época, que se opõe á mentalidade de hoje, em que a arquitetura pretende ser estrela e todos os autarcas querem ter uma obra de um arquiteto de renome".
Para este arquiteto, a Estalagem da Serreta é um ponto de chegada. "É notável a qualidade com que é implantada no sítio, como se distribui pelo terreno e como a partir dela se estabelece uma relação com a paisagem exterior". 
Se não for acudida, a estalagem corre sérios riscos de sobrevivência. Fez história e recebeu grandes protagonistas da história.

Uma cimeira de europeus contra norte-americanos

A cimeira entre Nixon e Pompidou surgia na sequência das decisões do presidente norte-americano de apostar num dólar cada vez mais forte e impor restrições às importações norte-americanas. Os europeus não gostaram e a França assumiu na cimeira o papel de porta-voz desse descontentamento. Dos acordos então estabelecidos resultou uma desvalorização do dólar e o fim definitivo da sua paridade com o ouro.
Os protagonistas desta cimeira histórica não continuaram muito mais tempo no poder. Georges Pompidou morreu no dia 2 de abril de 1974, vítima de doença divulgada precisamente durante a cimeira. Marcelo Caetano, que nunca se encontrou com os dois presidentes em simultâneo, foi afastado do poder na sequência da revolução de 25 de abril de 1974. Richard Nixon resignou a 6 de agosto do mesmo ano em resultado do escândalo Watergate."

quarta-feira, 21 de março de 2012

POESIA | Na Casa Defronte

Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!

Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.

São felizes, porque não sou eu.

As crianças, que brincam às sacadas altas,

Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.

As vozes, que sobem do interior do doméstico,

Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.

Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.

Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.

Que grande felicidade não ser eu!


Mas os outros não sentirão assim também?

Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.

Quem sente somos nós,

Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.

Nada! Não sei...

Um nada que dói...


Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa