sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Arquitectura de palavras

carta

Ao som de Zeca de Medeiros, a música Torna Viagem… dói tanto ouvi-la…

”vem esquecer ventanias e vendavais”, “serei o barco tu serás o cais”, “esta noite não hei-de morrer”…

Só me apetece chorar.

Tenho saudades da ilha, ou melhor, do espaço que existe entre as ilhas, invadido pelo mar. Este vazio que tenho no meu coração é como uma cratera de um vulcão extinto sem forças para emergir.

Saudades… nostalgia… este aperto no peito, esta inquietação, as lágrimas redondas e pesadas… espaçadas.

Apetece-me partir, zarpar no primeiro barco, sem olhar para trás… e que o vento salgado seque as minhas lágrimas. E eu, enrolada e agasalhada numa manta feita de retalhos, de pedaços de mim.

O destino, o cais de chegada, o rumo, pouco importa, quero ir ao sabor das ondas, da correnteza… e atracar quando estiver vazia e cansada de mim.

De que serve a terra firme se é feita de margens, de distâncias que nos separam.

Já não vivo sem este sentimento ilhéu, longe do mar, longe da ilha, longe de mim.

A saudade mata mas permite o sonho enlevado de te Ter como quero, fantasiando uma história que nunca se concretizará de certo.

A solidão, os passos ao compasso da maresia ao longo da costa. Tento desvendar o que me diz o mar… detentor da mais antiga sabedoria, Ansião do universo…

O ritmo inconstante da maré e eu calada. Não há nada a fazer. Ficarei no cais na iminência da minha desgraça.

No horizonte uma neblina…reflexo da minha mente turva.

Quero libertar-me de Ti. Liberta-me! Liberta-me como quem solta as amarras de uma embarcação deixando-a à deriva da sua sorte. É certo o naufrágio. É certa a dor da perda. Conseguirei viver da réstia de sonho do que podia ter sido. Conseguirei subsistir com a lembrança das tuas palavras confessadas por desespero.

Serei sempre eu a ficar em terra, e tu embarcadiço da tua solidão, navegando de encontro ao desconhecido, arriscando tudo.

Devolveste-me ao Sonho. E eu devolvo-te a Ti.

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